Em busca de sentido

Recentemente terminei de ler o livro Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração de Viktor E. Frankl. O livro é dividido em duas partes, sendo que a primeira conta algumas observações/experiências do autor durante os anos em que passou como prisioneiro em um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. A segunda parte do livro aborta os fundamentos da logoterapia, uma abordagem de terapia que se concentra na busca de sentido como fonte motivadora do ser humando, que foi desenvolvida pelo autor.

O desejo de viver do ser humano não se baseia simplesmente no conforto, prazer ou poder. Também buscamos um sentido para a nossa vida. Porém, muitas pessoas são atormentadas pelo sofrimento e como seria possível haver sentido nesses casos? Parece que essa questão foi uma das principais tomadas por Viktor Frankl durante o período em que foi prisioneiro. Tendo como base no existencialismo, a vida é sofrimento e sobreviver consiste em encontrar sentido na dor. Portanto, se há propósito na vida, também deve haver no sofrimento e na morte.

Vale notar que o livro, nem a logoterapia, focam simplesmente em encontrar sentido no sofrimento. O contexto apresentado na primeira parte do livro demonstra que é possível encontrar sentido até nos momentos mais extremos. De forma geral, existem três formas de encontrar sentido:

  1. Criando um trabalho ou praticando um ato
  2. Experimentando algo ou encontrando alguém
  3. Atitude que tomamos em relação ao sofrimento inevitável

Antes de prosseguir, é importante ressaltar que o sentido apresentado é único e específico para pessoa e a frustração, ou a falta, desse sentido pode levar há uma angústia existencial porque a pessoa se desespera ao não saber se vale a pena viver a sua vida. O detalhe é que a angústia existencial somente aparece em momentos de tédio. Dessa forma, no mundo moderno onde estamos sempre ocupados, talvez não temos tempo o suficiente para sentir o tédio e nos depararmos com a angústia. Citando o autor as tradições, que serviam de apoio para seu comportamento, atualmente vêm diminuindo com grande rapidez. Nenhum instinto lhe diz o que deve fazer; às vezes, ele não sabe sequer o que deseja fazer. Em vez disso, ele deseja fazer o que os outros fazem (conformismo), ou ele faz o que as outras pessoas querem que ele faça (totalitarismo). Assim seria a busca de sentido um problemas apenas da sociedade moderna, onde temos muito tempo livre para preencher devido ao conforto da sociedade?

Ainda sobre o sentido, vale ressaltar que não se fala, necessariamente, sobre um sentido geral para vida, mas para um sentido que pode ser realizado em determinado momento. Cada qual tem sua própria vocação ou missão específica na vida; cada um precisa executar uma tarefa concreta, que está a exigir realização. Nisso a pessoa não pode ser substituída, nem pode sua vida ser repetida. Assim, a tarefa de cada um é tão singular como sua oportunidade específica de levá-la a cabo.

Na sociedade atual, quando falamos de alienação e falta de sentido, normalmente nos referimos a falta de sentido no trabalho. Normalmente, a falta de sentido tem a forma de uma angústia existencial, de não saber o motivo da vida. Até certo ponto, podemos dizer que temos o suficiente com o que viver, mas há o porque viver. Nesse ponto o livro traz uma história sobre a neurose do desemprego sobre pessoas que estavam sem emprego e se consideravam inúteis, e ser inútil era considerado levar uma vida sem sentido. Essa questão está bem próxima do tema da Sociedade do cansaço que escrevi há alguns meses atrás. Basicamente, vivemos em uma sociedade que engrandece o trabalho e lhe faz infeliz se você se dedicar a si mesmo. A história do livro continua com Viktor Frankl sugerindo aos seus pacientes que tomassem um trabalho voluntario (com significado para eles) para ocupar o tempo e isso acabava com a depressão deles. Ou seja, não era a condição financeira que os preocupava, mas sim fazer algo significativo e importante com o tempo que tinham disponível. Citando o autor, a verdade é que o ser humano não vive apenas de bem-estar.

A verdade é que muitas pessoas podem encontrar sentido naquilo que fazem, mas outras não irão. Mesmo assim, ainda é possível encontrar sentido em experiências, como na arte, na natureza, em experimentar algo, em praticar um ato. Para outras pessoas o sentido será em encontrar outra pessoa, uma pessoa amada. Aquela que ela pode ajudar a encontrar o seu melhor. Para algumas pessoas essa outra pessoa será o seu parceiro, para outras um filho ou filha, mas pode ser muito além.

Porém, a temática do livro como um todo é em encontrar sentido até mesmo no sofrimento. Em princípio, para quem já passou por algum tipo de sofrimento ou angústia, sabe que, seja ele grande ou pequeno, ele ocupa toda a sua consciência. Não é possível mensurar ou comparar o sofrimento entre pessoas, ele é algo relativo e toma conta do ser como um todo. Entretanto, mesmo assim, o sofrimento é uma parte fundamental da vida, tanto é que é o tema central de muitas religiões

Por exemplo, enquanto os demais prisioneiros do campo de concentração se perguntavam será que vamos sair com vida do campo de concentração? Caso contrário, todo esse sofrimento não tem sentido. O autor se perguntava será que tem sentido todo esse sofrimento, toda essa morte ao nosso redor? Caso contrário, não faz sentido sobreviver; uma vida cujo sentido depende de semelhante eventualidade - escapar ou não escapar - em última análise, nem valeria a pena ser vivida. A diferença é um tanto sutil, mas indica a ideia de encontrar o sentido no sofrimento e não apenas após ele. Para o autor, tudo aponta que foi desenvolver a logoterapia.

Um bom exemplo de encontrar sentido no sofrimento é a conquista da liberdade espiritual/interior, mesmo quando tudo o mais lhe foi privado. Citando o autor no campo de concentração se pode privar a pessoa de tudo, menos da liberdade última de assumir uma atitude alternativa frente às condições dadas. E havia uma alternativa. Era possível decidir o que fazer com as condições que tinha. Era possível oferecer uma lasca de pão para um amigo mais necessitado, uma palavra de carinho. E tudo isso consiste em sentido, mesmo perante o sofrimento, porque inerente ao sofrimento há uma conquista, que é uma conquista interior. A liberdade espiritual do ser humano, a qual não se lhe pode tirar, permite-lhe, até o último suspiro, configurar sua vida de modo que tenha sentido. Porque não é apenas uma vida ativa que tem sentido, ou concretizando valores de forma criativa, ou aproveitando experiências. Dessa forma, sempre e em toda parte, podemos transformar uma situação de mero sofrimento numa realização interior de valores.

Precisamos aprender e também ensinar às pessoas em desespero que a rigor nunca e jamais importa o que nós ainda temos a esperar da vida, mas sim exclusivamente o que a vida espera de nós. Em última análise, viver não significa outra coisa se não arcar com a responsabilidade de responder adequandamente às perguntas da vida, pelo cumprimento das tarefas colocadas pela vida a cada indivíduo, pelo cumprimento da exigência do momento. Em dado momento, sua situação concreta exige que ela aja, ou seja, que ela procure configurar ativamente seu destino; em outro momento, que ela aproveite uma oportunidade para realizar valores de vivência (por exemplo, sentindo prazer ou satisfação); outra vez, que ela simplesmente assuma seu destino. Esse fato de cada indivíduo não poder ser substituído nem representado por outro é, no entanto, aquilo que, levado ao nível da consciência ilumina em toda a sua grandeza a responsabilidade do ser humano por sua vida e pela continuidade da vida. A pessoa que se deu conta dessa responsabilidade em relação à obra que por ela espera ou perante o ente que a ama e epsera, essa pessoa jamais conseguirá jogar sua vida fora. Ela sabe do “porquê” de sua existência - e por isso também conseguirá suportas quase todo “como”.

O trecho acima demonstra muito bem a visão de que temos um papel ativo na vida, de não esperar algo da vida, mas de tomar uma ação perante o momento. O ponto principal é a responsabilidade com a vida, somos responsáveis por fazer acontecer. Se existe apenas uma chance em milhares de algo acontecer, é nosso dever sobreviver para ver a nossa chance chegar e tomar a ação necessária naquele momento. Porém, essa expectativa de futuro também pode ser um fator de risco. Como humanos, temos uma tendência a usar o futuro e as possibilidades como base de sustentação. Por exemplo, se não vemos o final/alvo dessa forma provisória de expectativa, começamos a decair interiormente. Um exemplo do tempo moderno desse caso é uma pessoa desempregada, que vive em busca do emprego, mas não tem noção de quando a busca irá acabar. Mesmo assim, é sua responsabilidade sobreviver para ver o que lhe espera e o que ela pode fazer quando a sua chance chegar.

Por essa visão de futuro, a sociedade atual tende a dar preferência para os jovens que tem o futuro pela frente. Mas é necessário tomar cuidado com o futuro, por mais promissor que ele possa parecer, ele ainda não se concretizou. Normalmente pensamos apenas no futuro e esquecemos do passado, de momentos irreversíveis e de ações que tomamos, que é um fundamento de quem somos. O motivo principal é que no passado realizamos as ações impostas pela vida e temos isso na nossa história por todo o sempre. Ou seja, enquanto a sociedade tende a gostar de pessoas jovens e bem-sucedidas com muitas possibildiades pela frente, deveríamos olhar para as pessoas mais velhas que já passaram pela provação da vida e possuem a realidade do passado. Essa pessoas efetivaram por todo o sempre os sentidos que realizaram, os valores que viveram, os sofrimentos enfrentados com dignidade e isso jamais poderá ser lhes tirado.

Imagino que o ponto principal seja em tornar o sofrimento em algo real que possa lhe trazer sentido. Seja uma ação, servir de inspiração para outra pessoa, ou enfrentá-lo com dignidade e de cabeça erguida.

Viva como se você estivesse vivendo pela segunda vez e como se tivesse agido tão erradamente na primeira vez como está por agir agora.

Em última análise, a pessoa não deveria perguntar qual o sentido da sua vida, mas antes deve reconhecer que é ela que está sendo indagada. Em suma, cada pessoa é questionada pela vida; e ela somente pode responder à vida respondendo por sua própria vida; à vida ela somente pode responder sendo responsável.